21.12.03

In the Cut

Jane Campion nunca conseguiu regressar aos mundo original e belo que criou com The Piano, nem logrou nunca recuperar a originalidade e os maneirismos dessa obra-prima. In the Cut é o ensaio mais feliz na busca incessante da australiana do regresso ao fulgor de The Piano.
Dizer que In the Cut é um “thriller” é esquecer a intriga principal e o verdadeiro objecto do filme. mas, de facto, a história que se desenrola perante o espectador é de carâcter policial e nnao podia ser mais cinematográfica: um “serial-killer” mata e esquarteja jovens mulheres num bairro de Nova Iorque. Esse pano de fundo serve paneas como pretexto a Campion para nos contar como pode ser a vida das mulheres sós que agora têm trinta e tais ou mais e se agarram à vida pelos mais estranhos e instáveis cordéis.
Meg Ryan é a protagonista, um professora de inglês que foge dos homens. Ryan é uma escolha perfeita para este papel, ela que raramente se despiu quando era nova e que aqui se mostra sem complexos, mesmo se sabe que já não exibe o peito que tanto excitou Billy Crystal em When Harry Met Sally. Jennifer Jason Leigh é a irmã de Meg, uma mulher ainda mais perdida e que se refugia num vício: o sexo.
O sexo está no centro deste filme. É pelo sexo que a protagonista acaba por colocar a sua vida em perigo, ela que nem sequer liga aos homens e prefere pensar no que poderia fazer com eles a realizar as suas fantasias. “Não achas isso aborrecido?”, pergunta a sua irmã, incrédula.
Jane Campion consegue impor um ritmo quase ideal (o final é demasiado esticado) e a tensão (sensual, principalmente) desenvolve-se para criar um ambiente de “thriller” a lembrar o mestre Hitchcock. A referência final é evidente, já que a sequência tem lugar num farol, sob as luzes da bela ponte George Washington.

17.12.03

Lost in Translation

Um amigo meu que trabalhava frequentemente com japoneses e que teve de ir ao país do sol nascente em negócios mais que uma vez dizia que não há gente mais odiosa e país mais desagradável. "Era menino para escrever um livro sobre todas as razões, e são muitas, para odiar os japoneses", dizia-me ele dando exemplos e contando episódios. Como ele é meu amigo eu dava-lhe razão e acrescentava farses feitas do tipo "não me digas" e "eh pá, esses gajos são uns verdadeiros cromos". Na verdade nunca percebi qual era o problema dos japoneses e porque carga de água ele os odiava tanto. Pensei que devia ser uma razão eminentemente de negócios; parece que no Japão não é fácil encontrar comprimissos e que são habitualmente eles que estabelecem as condições.
A querida Sofia Coppolla, maltratada por causa de um filme muito agradável chamado The Virgin Suicides, voltou às lides com Lost in Translation, um filme que podia ter sido realizado por este meu amigo. Um primeira hora é uma sucessão de sketches em que os japoneses são vistos como uma espécie rara que podia estar fechada nas jaulas de um zoo. São barulhentos, irritantes e incompreensíveis. O protagonista sente-se perdido, cansado e verdadeiramente desterrado. Ou seja, este é o japão do meu amigo. Com gueichas do século XXI a baterem à porta do quarto do hotel, empregados demasiado atenciosos que fazem vénias a torto e a direito e um trânsito infernal nas ruas de Tóquio. Mas eis que o protagonista encontra uma companheira de viagem. Ela gosta do Japão tão pouco como o protagonista e menos ainda que o meu amigo. Os dois vão divertir-se à fartazana e o Japão, de repente, fica muito mais bonito.
Lost in Translation é um filme sobre o amor (platónico) mas também sobre o expatriamento, a descoberta de um país e uma cultura que tem as mesmas referências actuas que nós mas que está a séculos de distância do mundo tal como o criámos com os nossos confrades anglo-saxónicos. Lost in Translation mostra isso tudo e mais ainda, porque Sofia Coppolla soube ainda transformar Bill Murray num actor, ideia de que todos nós tínhamos desistido.