30.11.03

Anything else

Título excelente mas difícil de traduzir. Talvez tudo o mais?
O último Woody Allen é mais uma obra-prima do género (do género Allen entenda-se) e a consagração de um herdeiro para o velho cómico de Nova Iorque. Jason Biggs adopta Woody como modelo no filme e para o filme e consegue cumprir essa missão impossível. Os detractores do jovem actor dos American Pies têm de engolir sapos de centenas de caracteres e são os mesmos que destruiram Adam Sandler quando ele fazia comédias simples e tiveram de comer os seus chapéus depois de Punch-Drunk Love.
E de Anything Else não há nada a dizer a não ser que já vimos aquilo tudo em qualquer lado, mas que, naturalmente, a temática evoluiu. No centro fica contudo o amor, as mulheres e a sede de sucesso que sempre acompanhou o mundo autobiográfio de Woody Allen.
Um filme excelente porque é como a vida, e ela é como tudo o mais.

Finding Nemo

Não resisto a desenhos animados. Quando era miúdo até os checos e polacos eu digeria. Já sei que os senhores sérios que me lêm vão dizer que eram excelentes. Não eram. Desculpem mas não eram. Eram obras de artesanato com um atraso de vinte anos a nível técnico, mas elaboradas por excelentes especialistas da arte, mas que pareciam velhos como o mundo quando comparados com um Bugs Bunny dos anos 50. E tinham mensagem, quase nunca anódina, quase sempre do tipo traz um amigo também mesmo que ele não queira (ai Zeca, tinhas belos sonhos que o teu amigo Vasco Granja partilhava). Tudo isto porque comecei por dizer que adoro desenhos animados.
Tudo isto para explicar porque fui ver Finding Nemo no dia da estreia. Mas fui também porque do outro lado do Atlântico chegavam relatos elogiosos e histórias fabulosas de peixes de aquário esgotados em todas as "pet shop" dos Estados Unidos.
O filme é uma agradável surpresa, mesmo tendo em conta a expectativa que se criou desde o seu anúncio. O argumento é óptimo, a ideia de colocar a acção nos mares australianos acrescenta um picante q. b., e a técnica é de nos deixar de boca à banda. Como dizia um dos produtores de Shrek, em Cannes há dois anos, respondendo aos elogios sobre o aspecto "groudbreaking" da sua obra, "este filme se fosse feito hoje, seis meses depois de concluído, seria ainda melhor". É verdade, as técnicas de animação por computador evoluem tão rapidamente que Finding Nemo já não é a última palavra no domínio da animaçnao por computador. Mas é mais que suficiente para encantar, para surpreender e mesmo para nos enganar aqui ou ali, dando a impressão de que estamos a ver uma filmagem.
E, ainda por cima, é divertido, muito divertido. Imaginem tubarões numa sessão de desintoxicação, à moda Alcoólicos Anónimos, a tentarem convencer-se a não comer peixes, "porque eles são nossos amigos". Coloquem dois peixes de aquário na barriga de uma baleia, qual Jonas ou Pinóquio, com um deles a tentar falar "baleiês". E aposto que nunca pensaram que as gaivotas eram estúpidas como galinhas e os pelicanos uns pássaros quase nobres, cheios de patuá e com um sentido de humor excelente.

28.11.03

Love actually

Tão giro. Quando arranjar um namorado como o Hugh Grant fico feliz e deixo de dormir com o primeiro que aparece. Viste como ele ainda tem aquele jeitinho na boca e o olhinho que pisca quando vê uma mulher? Conheci um tipo assim no curso de pintura, mas era bastante mais feio e coxeava. É bem mais giro que o Colin Firth com aquele ar pesado e aborrecido. Nem sequer conseguio imagniá-lo na cama. Beark! Não sei como é que a Bridget Jones conseguiu apaixonar-se por ele... bem, ela também era uma ganda lontra, diga-se.
Não gostei nada foi da deslavada da Lúcia Moniz. Que mau aspecto: pindérica, cabela mal lavado e uns vestidinhos, que horror! Pode ser-se mulher da limpeza mas com classe. E depois despe-se na margem do lago como se fosse a Bo Derek. Totalmente out!
Mas gostei do filme, gostei do cantor velhote,q ue me fez lembrar aquele namorado que eu arranjei na Zambujeira, lembras-te? E gostei do casalinho que o amigo dele queria deitar-se com ela? Que recordações aquilo tudo me trouxe... Mas ri-me, ri-me muito. Ainda mais que nos Quatro casamentos porque lá eles eram tão pirosos que a gente só se ria das roupas e dos cabelos... Mas também esse filme já é de oitenta e tal não é? Antes do 25 de Abril praí...
Olha, tenho de ir, tou a ficar sem crédito, mas olha vale a pena ires ver. É um delírio!

20.11.03

Master and Commander

O último filme de Russel Crowe - é mais apropriado, neste caso, dizer o último filme do protagonista em vez do realizador já que Peter Weir não tem um estilo próprio nem uma carreira coerente - chama-se Master and Commander. De parte as conotações sado-masoquistas, é fácil adivinhar que Crowe é o "master" e o "commander".
A acção desenrola-se no mar. Sempre, durante duas horas, com duas passagens fugazes pelas ilhas Galápagos. O mar ser o pano de fundo mas o cenário é um navio. Estamos no século XVIII e os ingleses batem-se com os franceses pelo domínio das rotas comerciais das Américas. Nós estamos com os "beefs". A bordo de um navio chamado Surprise, cujo comandante já serviu sob as ordens de Nelson e tem reputação de sortudo. Apesar de todo o filme se desenrolar no mar, Master and Commander é um filme claustrofóbico: os espaços do navio deixam o espectador angustiado, apertado e temeroso do próximo ataque dos corsários franceses. "Não se pode viver nesta prisão de madeira", afirma o médico de bordo pedindo ao capitão para atracar nas Galápagos. O Surprise é um claustro, com belas amuradas sempre de fresco pintadas e camarotes exíguos atafulhados de gente.
Master and Commander é longo, talvez demasiado. Mas o realismo das cenas e o rigor histórico são impressionantes. É fabuloso (re)descobrir quão jovens eram os marujos e os oficiais destes navios de fortuna e como era difícil a vida a bordo. Os grandes planos deixam descobrir que a mais simples ferida podia resultar numa amputação e a menor fraqueza num suicídio.
Mas Weir aborda também o tema da liderança, do conceito de chefe e de visão. O nome do filme é assim justificado em momentos de discussões mais ou menos terra-a-terra mais ou menos filosóficas sobre o que é um "master" e sobre o que devia ser um "commander".
Fica ainda o prazer de ver que os marujos se passeiam pelas costas brasileiras e conversam com os nativos em português e admirar os franceses a levarem no corpo entre gritos de "non, s'il vous plaît, non!!!". O Crowe é um "master" e é um "mister".

17.11.03

The Matrix Revolutions

Há muito tempo que não via um filme tão mau. É verdade que escolho bem os meus filmes e que este só entrou na lista porque os amigos queriam ir vê-lo. Está bem, vamos lá mas não digam que não vos avisei!
No final cheguei à conclusão que nem eu estava suficientemente avisado. Revolutions é o pior Matrix da trilogia. Um filme que podia ter sido expediado nos últimos 15 minutos do segundo, poupando-se assim a vergonha dos irmãos Wachowski. Se Andy e Larry só podiam ser acusados de querer fazer render o peixe, agora pode-se dizer também que são uns preguiçosos de primeira.
Não há quase nada a contar neste filme. A única cena original, que encerra também a chave do enigma, mostra-nos Neo "preso" numa estação de metro com um casal indiano acompanhado da filha. Estão ali para serem eliminados por serem programas sem objectivo, e todos os programas que não servem para nada são exterminados, apanhando para isso um comboio, numa referência (será que os manos Wachowski pensaram nisto ou sou eu a inventar?) às deportações de judeus. Neo é libertado dessa prisão de forma fácil pela querida Trinity, mas o herói só volta a aparecer durante mais de 10 segundos uma hora depois, para a batalha final, mano a mano com Mr. Smith.
Até esse momento temos direito a uma hora e tal de guerra entre os polvos mecânicos e os humanos, um momento épico mas longo como os tentáculos dos polvos malvados.
Estou em condições de revelar que Mr. Smith morre, ou seja, é "deletado" porque Neo morre também e Smith deixa de fazer sentido. E Trinity morre também; morre por Neo, por amor. Snif. E o mundo fica melhor, com sol e tudo, por oposição à chuva que Mr. Smith criou para a batalha com o molhado Neo. Pronto, já contei o filme todo, agora já não vale a pena ir vê-lo. Nem para os fãs de Monica Bellucci que se fica por uma única e resmenga deixa. Assim, como o seu merovíngio marido que só tem tempo de comer uma azeitona numa discoteca cheia de punks com o cio.
Matrix The Revolutions não é uma revolução, é um epitáfio triste que faz esquecer que o primeiro filme era bom mas acabou-se.

14.11.03

Ken Park

Impossível dizer melhor que João Lopes aquilo que é o último filme de Larry Clark, por isso aqui fica:

Entra-se no filme «Ken Park», de Larry Clark, como quem entra numa paisagem conhecida e, ao mesmo tempo, irreconhecível. Conhecida porque se trata de retratar as vidas de um grupo de adolescentes «típicos», algures na cidade de Visalia, Califórnia. Irreconhecível porque muito cedo percebemos que estamos perante um objecto empenhado em discutir, ponto por ponto, as formas correntes de representação da adolescência. Mais do que isso: as suas relações afectivas, as suas relações com o universo dos adultos e, no limite cinematograficamente mais radical, as suas relações sexuais. Antes de conhecermos o filme, é natural que interpretemos o título como uma alusão a um lugar. Mas não: Ken Park é o nome de um dos adolescentes. Cada personagem funciona, afinal, como lugar visível de uma história rasgada por muitos dramas invisíveis. Na sequência de abertura, vemos Ken (Adam Chubbuck) a praticar «skate» numa zona pública de Visalia. Senta-se, coloca a seus pés uma câmara de video, liga-a e aponta-a para o rosto. Logo a seguir, Ken tira uma pistola do saco, aponta-a à sua cabeça e dispara - ainda não terão passado cinco minutos de filme e, em boa verdade, não sabemos que fazer com o desamparo que o invade e a sua pulsão trágica.
«Ken Park» traz consigo um rol de «escândalos» e «polémicas» (incluindo uma proibição num festival de cinema na Austrália) mais ou menos incontornáveis e que, em última instância, talvez não sejam a maneira mais salutar de lidar com a sua riqueza e complexidade. Não porque este seja um filme indiferente aos efeitos de perturbação que desencadeia (bem pelo contrário). Acontece que na sua génese não está exactamente essa lógica simplista, e muito televisiva, de expor o «interdito» ou de empurrar o espectador para a condição primária de «voyeur-ex-machina». Nada disso: se «Ken Park» se reivindica de alguma tradição formal é a do mais estrito realismo social. O filme retoma o essencial das opções de «Kids», que Larry Clark filmara em 1995, por sua vez refazendo muito do olhar frio e desencantado dos seus trabalhos como fotógrafo, nomeadamente o que está recolhido nos livros «Tulsa» (1972), «Teenage Lust» (1982) e «Perfect Childhood» (1992).
Não tem, por isso, nada de acidental que Larry Clark co-assine «Ken Park» com o seu director de fotografia, Ed Lachman (mestre entre mestres cujo trabalho mais recente inclui as imagens «Erin Brokovich», «Simone» e «Longe do Paraíso»). De facto, a concepção fotográfica de «Ken Park» é inseparável de uma ideia de realização que exclui qualquer ilusão de «reportagem» ou «espontaneísmo»: estamos, insisto, no interior de um espaço eminentemente trágico em que a relação de cada um com a sua própria sexualidade é o sintoma mais cruel de um estado de coisas em que o próprio conceito de humanidade está posto à prova.
Não admira que, ao contrário de «Kids», este seja um filme que coloca também em cena os pais e, de um modo geral, os adultos. Em «Ken Park», da mais banal (?) troca afectiva aos fantasmas sexuais, tudo se passa como se ninguém soubesse que tipo de diferenças ou hierarquias passaram a existir entre pais e filhos, adolescentes e adultos. Compreendemos, então, que isso está a alterar os corpos e os seus pensamentos. Compreendemos, sobretudo, que isso nos confronta com novas formas de solidão. E aí, ao tocar o extremo mais angustiante da própria tragédia, «Ken Park» afirma-se como um dos filmes nucleares de todo o cinema que o século XXI já produziu.
João Lopes, in DN